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  • Author: kuririn
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  • Fantasma Moderno

    Eu morri no dia 25 de janeiro de 1997. Sim, foi isso mesmo que eu disse. Eu morri. Posso dizer com todas as palavras que nasci em São Paulo e morri aqui, na terra da garoa.

    Antes de começar, quero me apresentar. Meu nome é Rafael. Bem, na verdade não é Rafael. Só coloquei esse nome porque se minha mãe descobrir que estou escrevendo para outras pessoas e não estou escrevendo para ela, ela me mata, ou melhor, me reencarna.

    É estranho ser um fantasma em São Paulo. Já estou aqui nessa cidade perambulando há onze anos. Quem diria. Onze anos depois eu estaria aqui escrevendo essas felizes palavras.

    Morri de uma doença que ataca grande parte dos paulistanos: O famoso estresse. Briguei com meu chefe porque ele me colocou para trabalhar no feriado. Sai bufando pelo elevador. Entrei no meu carro e sai em disparada, voando baixo, com o ponteiro quase chegando a 20 km/h na Avenida Paulista em horário de rush. Coração batendo a mil por hora, gravata apertada, barriguinha de chop e nenhum exercício físico.

    A última coisa que me lembro quando estava vivo foi de ter parado no cruzamento da Avenida Paulista com a Alameda Campinas. Todo mundo buzinando, me xingando... Quando eu ia gritar um "filho da P..." cai duro em cima do volante.

    Tentaram me levar para o Hospital do Coração. Hi... sem chance. Quando me dei conta vi toda a minha família chorando no meu enterro. Cemitério da Consolação. Coisa fina. Família rica cheia da grana, com uma dúzia de tias que ficaram chorando, soluçando, fingindo que gostavam de mim e aquela pirralhada mimada apagando as velas do meu túmulo. Pensando bem, eu to bem melhor aqui desse lado.

    É ai que está a graça de ser um fantasma em São Paulo.

    Outro dia, estava eu sentado sobre meu túmulo, pensando na morte, quando ví um pessoal fazendo uma excursão pelo cemitério. Pensei comigo "Esses caras são loucos. O que eles querem ver dentro do cemitério?". Segui a turma. Havia um guia turístico levando eles por um passeio pelo cemitério. Foi ai que eu descobri que estou enterrado há duas lápides de Monteiro Lobato. Quem diria. Um dos rapazes fez um comentário com a turma: "imaginem, ser enterrado do lado do Monteiro Lobato?". Pois é. Eu sei como é... Eu sou o cara!

    É uma beleza. Sai do cemitério todo cheio de orgulho. Eu, do lado do Monteiro Lobato! Quem sabe eu não o encontro por ai para bater um papo?

    Hi, mas acho que vai ser difícil. Ele já deve estar no céu faz tempo! Eu to esperando aqui há onze anos porque o Poderoso está cheio de gente pra julgar.  E o pior é que tem a turma que fura fila. Até aqui tem isso! Os bandidos, assassinos e maníacos passam na frente de todo mundo! Nem na morte a gente é respeitado! Bom, apesar que essa turma só vai rápido porque o Poderoso já sabe para onde vai mandar essa gente... não tem nem o que pensar...

    Mas sabe o que eu acho mais incrível em São Paulo? É poder me sentir vivo mesmo estando morto. É sério! Outro dia eu estava na praça da Sé, andando, numa boa, e esbarrei numa moça. Ela só virou o ombro e passou correndo. Ela estava com tanta pressa que nem olhou quem bateu nela. A multidão em São Paulo anda com tanta pressa que esquece de olhar para as pessoas. Muitas vezes me senti sozinho no meio de uma multidão. Engraçado, né? É como se eu estivesse vivo na cidade.

    Hoje eu estou aqui, esperando minha senha pra falar com o Poderoso. Enquanto isso eu fico aqui, na Avenida Paulista, no prédio onde eu trabalhava, assombrando meu ex-chefe. De vez em quando eu dou uns assobios no ouvido dele, derrubo uma caneta e reviro alguns papéis. Mas vocês acreditam que ele acha que é o ar condicionado? Outro dia ouvi ele falando de mim para os novos funcionários. Quase chorei. Não é que aquele poço de agressividade tem coração? Vocês acreditam que ele vem me visitar todo dia de finados? A vida e a morte pregam cada peça na gente...

    Pois é. Daqui desse lado eu consigo ver melhor a dimensão das coisas. Mas não tem jeito. Eu não paro de reclamar de São Paulo, mas nem pense em falar mal da cidade perto de mim! Outro dia, um fantasma carioca veio falar que "Assombração paulistana trabalha até com paletó de madeira". Ignorei a provocação e sai por cima. Mas não é que ele tem razão? Vou voltar para minha tumba e deixar a morte passar... Já trabalhei demais. Boa vida para todos!

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